sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

.'la maja ha salido de vacaciones'.

ontem o passeio foi pelo ryco e muy phyno barrio de salamanca. a ideia era chegar ao prado às 18h, horário em que, todos os dias [exceto às segundas, quando fica fechado para manutenção], o museu abre suas portas para a visitação gratuita da exposição permanente [isso é lindo, não? todos os velázquez, e goyas, e el grecos, e riberas, e murillos, e rubens, e caravaggios, e tizianos, e rembrandts ao alcance, real, da população, num oferecimento muito discreto - quase imperceptível - da telefonica].
então o planejado era chegar ao prado às 18h e saí de casa às 16:30h, com destino à estação lista do metrô, no coração de salamanca. o itinerário, cumprido literalmente à risca, incluía subir a ortega y gasset até a calle serrano e descer até o retiro, seguindo reto na calle de alfonso XII até virar à direita na calle academia e chegar ao prado pelos fundos. uma maneira pouco convencional, mas não menos bonita, de chegar até o museu.
depois de amanhã estarei há um mês aqui e não poderia comemorar esse aniversário sem ter ido ao prado. seria um acinte, uma heresia. madrid jamais me perdoaria por isso. então, fiel como sou a esta cidade, segui meu caminho pelas rycas calles de salamanca.
em termos tupiniquins e guardadas as devidas proporções, digamos que a ortega y gasset seria a haddock lobo, a calle serrano a oscar freire e a claudio coello a bela cintra. assim que o negócio começa timidamente com uma loja [gigante] da hugo boss e vai evoluindo [rapidamente] para valentino, chanel, hermés, cartier, tiffany & co., vuitton, jimmy choo, dior, dolce & gabanna, prada, ermenegildo zegna, mont blanc, salvatore ferragamo, longchamp, ralph lauren, armani, YSL, marc jacobs, miu miu, bottega veneta, bulgari, burberry, max mara, carolina herrera e outros que eu não gravei porque fiquei encandiada. isso sem falar, é claro, nos ícones nacionais: el corte inglés, zara, adolfo dominguez, purificación garcía, loewe, balenciaga, agatha ruiz de la prada, para não citar todos.
o bom de um passeio desses é que a gente não sabe se olha para as vitrines ou para os passantes. as mulheres perfeitamente vestidas num mix que combinava, entre calça, camisa, casaco, bolsa e sapato, pelo menos três das marcas citadas. algumas com seus casacos de pele politicamente incorretos e suas caras botocadas, que atestavam a tentativa [frustrada] de fazer parecer 20 anos a menos, mas a maioria com a simplicidade chic dos rycos de verdade. os homens elegantemente cobertos por seus casacos escuros e suas bufandas listradas. as crianças com as carinhas rosadas que elas costumam ter por aqui e com seus protetores de orelha temáticos [mickey, minie e barbie são as preferências mundiais!].
chamavam a atenção as mulheres paradas diante das joalheirias como cachorros namorando frangos de padaria [uma cena universal!], o style das japonesas e um casal que acabou uma discussão com a mulher andando sozinha e o cara chamando, em vão: 'ana, ana, ana...' [assim na calle serrano como na praça do ferreira].
atravessei a puerta de alcalá e pude ver a lua quase cheia no céu ainda impecavelmente azul, típico dos fins de tarde madrilenhos. segui adiante pela alfono XII e desci a calle academia, chegando à puerta de goya no momento rigorosamente exato em que um artista de rua começava a tocar a ave maria de gounod. eram 18h em ponto e nem que eu tivesse cronometrado teria conseguido esta proeza. respirei, sentei num banco, ouvi aquilo como uma benção e pensei nos meus. enquanto isso, as pessoas passavam imunes à música, e era como se só eu e o artista a ouvíssemos. lamentei.
era feriado e pensei em desistir de entrar ao avistar o tamanho da fila, que começava na puerta de goya e ia terminar lá pela puerta de velázquez [quem conhece o prado terá uma noção do tamanho da bichona!], mas criei coragem e me diverti ao ver que 2 segundos depois já chegava quase ao real jardim botânico. a fila andava rápida e em menos de 5 minutos estava dentro do museu. passei a andar como cega, guiada pelas lembranças de 17 anos atrás. como a memória é minha chapa, driblei a multidão, passei por uns caravaggios, e em pouco tempo estava diante do caballero con la mano en el pecho, de el greco. pronto, estava na ala espanhola! o caballero me olhou misteriosamente, com aqueles olhos [um deles minimamente mais baixo que o outro - reparem!] quase vivos e pude jurar que me dió un saludo, como quem diz: 'sea bienvenida de vuelta, doña candice!'. fiquei meio impressionada e segui tateando, instintivamente, até chegar às meninas de velázquez, obra prima do museu e de toda a pintura espanhola. ali, diante daquele quadro vertical enorme, um bolo de gente se amontoava escandalizado com a genialidade do pintor, que retratou a cena através de um espelho e captou, no fundo, através de outro espelho, as figuras dos reis felipe IV e mariana de austria, que acompanhavam atentamente a encomenda de reprodução da figura de sua filha, a infanta margarita, menina em torno da qual orbitam todas as outras que acabaram por pluralizar o título da obra.
mais um pouco e já estava nas salas dedicadas a goya. estranhei ao ver a maja desnuda sozinha, numa sala pequena. nas minhas reminiscências, as duas ficavam lado a lado, numa sala gigante, já que se trata de dois quadros retangulares enormes. fiquei encafifada e dirigi-me até o guarda da sala, perguntando-lhe pela maja vestida, ao que ele me respondeu, todo faceiro: 'ha salido de vacaciones. se fue a japón. está prestada a un museo de allí.'. ri do bom humor do guardinha e do fato de os japoneses, pudicos que só eles, terem levado a maja vestida e deixado a desnuda aqui para deleite dos espanhóis.
que retorne em breve para casa, a maja comportada, a tempo de eu revê-la.
voltando para casa, ganhei o resto do dia ao ceder meu lugar no metrô a um senhorzinho que me agradeceu formalmente na hora mas que não resistiu e me deu duas batidinhas no braço ao descer uma estação antes da minha. dormi feliz. 

4 comentários:

  1. o mais legal de te ler é que vc escreve de um jeito que faz a gente viver a cena... no ponto final, fica a impressão " estive lá".

    beijos saudadosos, tri!

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  2. Adorei Can... é realmente uma viagem ler os seus posts. Parece que agora com mais maturidade se aproveita as mínimas coisas, os pequenos detalhes. Parabéns prima.

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  3. can
    Minha mã, qdo foi ao PRado nos idos de algumas décadas, trouxe uma reprodução da maja desnuda, que mandou colocar em moldura, e depois no seu quarto. A lembrança que tenho do quadro é esta, o contato com a arte e gosto pela pintura de minha mãe.
    Agradeço por me fazer reviver este momento especial
    Bjos e continue nos trazendo estas pinceladas de Madrid.

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  4. Fá, lindo você contar do teu contato com a maja desnuda através do gosto pela pintura e pela arte da tua mãe. no meu caso, os primeiros contatos com a pintura, também graças à sensibilidade de minha mãe, foram através das 'três graças', de rubens, cujo original está no prado e me fez parar por vários minutos ontem [esqueci de mencionar isso no post, vou ter de escrever depois!] e do 'rosa e azul', de renoir, que ficavam no quarto dela e no meu e de minha irmã, respectivamente, na casa em que morávamos durante infância. essas pinturas ficaram no meu imaginário e me despertaram o gosto pelas artes, tenho certeza. outro dia, no masp, diante do original 'rosa e azul', fiquei emocionadíssima. sou grata a este blog por encontrar aqui muitas das minhas almas afins. você certamente é uma delas! beijos, Can.
    e muitos beijos também em vocês, Mô e na Carol, duas lindas que morro de saudades!!! obrigada por me lerem aqui e deixar suas impressões.

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